Direito – Feminicídio no Tribunal do Júri

Feminicídio…

 

No início do mês de janeiro deste ano o Supremo Tribunal Federal noticiou que o Partido Democrático Trabalhista – PDT – ingressou com uma ação solicitando à Suprema Corte que declare inconstitucional a absolvição em tribunal do júri de assassinos, geralmente feminicidas, sob a “tese” da “legítima defesa da honra”. Trata-se da ADPF 779.

 

A ação esclarece que essa “tese” tem gerado decisões antagônicas tanto nos Tribunais de Justiça, como no STJ que ora mantém a absolvição com base na soberania do júri, ora anulam sob o fundamento de que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos.

 

Assim a ADPF defende que a soberania da decisão dos jurados (pessoas que não são juízes, mas são os responsáveis pela condenação ou absolvição da pessoa acusada de um crime doloso contra a vida) tanto não pode ser contrária às provas existentes como não pode também ser em afronta aos direitos fundamentais à vida, à não discriminação das mulheres, nem com os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

Infelizmente esta ação traz uma série de decisões dos tribunais que não anularam a absolvição sob a nefasta “tese” defensiva, assim como traz também a importante decisão do Superior Tribunal de Justiça a qual afirma a necessidade da ação iniciada perante o Supremo, vejamos:

 

“1. PRELIMINARMENTE. Decisões que interpretam a “soberania” do tribunal do júri como admintindo absolvições de feminicidas (assassinos de mulheres) por teses de lesa-humanidade, como a anacrônica, nefasta e horrenda “legítima defesa da honra” (sic). 1.1. Controvérsia constitucional relevante que justifica o cabimento da ADPF, como PEDIDO de interpretação conforme a Constituição ou declaração de não-recepção constitucional sem redução de texto, para afastar dos permissivos legais à legítima defesa qualquer interpretação que admita que jú

ris absolvam pessoas que assassine outras a pretexto de defenderem suas “honras”, por manifesto excesso desproporcional incompatível com a natureza jurídica da legítima defesa. Existência de controvérsia constitucional relevante: decisões de júris que absolveram feminicidas por essa nefasta tese de lesa-humanidade, ora anuladas por manifesta contrariedade à prova dos autos, ora validadas, por tribunais de Justiça(…)

  1. DO MÉRITO. Flagrante inconstitucionalidade da horrenda, nefasta e anacrônica tese de lesa-humanidade da “legítima defesa da honra” (sic). Indispensável concordância prática da norma constitucional sobre a “soberania” dos veredictos do júri com os direitos fundamentais à vida e à proibição constitucional de preconceitos de quaisquer espécies. Evidente primazia do bem jurídico-constitucional “vida” sobre o bem jurídico constitucional “honra”, inclusive contra a naturalização do feminicídio (cf. Min. Roberto Barroso), COMO SE A MULHER FOSSE UMA “COISA” DE “PROPRIEDADE” DO HOMEM, em flagrante violação do princípio da dignidade da pessoa humana.”

 

É lamentável, mas importante informar que em 29 de setembro de 2020 o Supremo Tribunal Federal manteve a absolvição de um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas mediante emboscada por motivo de traição.

 

Os ministros Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Rosa Weber votaram pela manutenção da decisão sob o fundamento constitucional da soberania do veredicto do tribunal do júri.

 

Já os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, no mesmo sentido do tribunal mineiro e do STJ, votaram pela realização de um novo júri na medida em que o veredicto contrariava as provas reunidas no processo.

 

Naquela oportunidade o ministro Barroso manifestou-se “Presidente, sinceramente, não gostaria de viver em um país em que os homens pudessem matar suas mulheres por ciúmes e sair impunes. Pedindo todas as vênias às compreensões diferentes, estou também aqui acompanhando a divergência para denegar a ordem”.

 

Em menos de três meses (25.12.2020) o Ministro Luiz Fux (o qual não participou do julgamento mencionado acima) afirmou que o feminicídio da magistrada Viviane mostrou o quão urgente é o debate sobre violência doméstica no país e afirma que STF e o CNJ “se comprometem com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar” esse tipo de crime contra mulheres.

 

Espero, sinceramente, que o trágico fim da juíza tenha trazido mais consciência e reflexão aos ilustres Ministros.

 

Não há como negar, ser no mínimo basilar que quando há conflitos de direitos, o mais fundamental (direito à vida) deve prevalecer sobre o direito à soberania do veredicto do tribunal do júri, afinal, a mesma Constituição que estabelece dita soberania:

  1. Foi PROMULGADA PARA assegurar direitos, à segurança, ao bem estar, à IGUALDADE em uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos;
  2. Possui FUNDAMENTO NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA;
  3. Seu OBJETIVO FUNDAMENTAL É construir um sociedade justa e promover o bem de todos SEM PRECONCEITO de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e tem COMO DIREITO FUNDAMENTAL O DIREITO A VIDA.

 

Ainda que em casos como tais as vidas já foram covardemente ceifadas ou colocadas em risco, decisões como a tomada pelo Supremo em setembro de 2020 validam que outras mulheres venham a ter o mesmo fim trágico, colocando por terra uma das finalidades do direito penal, prevenir que novos crimes ocorram (punitur ne peccetur).

 

Fontes: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=458295&ori=1

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6081690

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754653282

 

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