A comissão de Valores Mobiliário publicou o Ofício Circular nº 01 de 2021 o qual orienta os administradores das companhias com registro na CVM e seus respectivos auditores, acerca das demonstrações contábeis referente ao exercício social encerrado em 31.12.2020, dentre outros assuntos, sobre o tratamento contábil dos créditos de PIS e COFINS ante a ampliação do conceito de insumo pelo STJ no Recurso Especial 1.221, assim como ante a exclusão do ICMS da base de cálculo dessas mesmas contribuições.
Preliminarmente se faz necessário entender, conforme explicitado no documento, que os Ofícios Circulares emitidos em conjunto pela Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria e pela Superintendência de Relações com Empresas visam orientar a elaboração das demonstrações contábeis e externam o entendimento das áreas técnicas da CVM quanto à adequada representação contábil de um evento econômico refletido nas demonstrações contábeis das companhias.
Relembra ainda que os tópicos abordados tem origem nos desvios identificados pelas áreas técnicas da CVM, o que as levam a ir a público alertar e informar o posicionamento considerado mais adequado a ser adotado pelas companhias.
A ampliação pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do conceito de insumo para fins de cálculo dos créditos de PIS e COFINS.
É fato que a decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial 1.221.170 do estado do Paraná, a qual tem efeito vinculante para todo o país, ou seja, tanto em decisões judiciais quanto administrativas, definiu o conceito de insumo para fins de cálculo dos créditos de PIS e COFINS com base nos critérios da essencialidade ou da relevância.
Ocorre que a aferição da essencialidade e relevância de cada elemento na cadeia produtiva impõe uma análise a ser feita caso a caso.
Esse reconhecimento a partir de uma análise casuística geram incertezas e conflitos de entendimento entre o fisco e os contribuintes.
As áreas técnicas da CVM não entram no mérito das escrituração e procedimentos tributários, cabendo esta decisão à administração da companhia.
Entretanto, do ponto de vista contábil, diante do potencial conflito de interpretações entre o fisco e o contribuinte acerca do que seria efetivamente reconhecido como insumo das contribuições, a área técnica da CVM entende que devem ser reconhecidos como crédito apenas aqueles dotados de certeza, reconhecidos como créditos fiscais se a decisão judicial ou outros elementos aplicáveis permitissem o reconhecimento do direito e a mensuração confiável do valor a ser compensado ou restituído.
O ofício ressalta, porém, que as demonstrações são de responsabilidade das companhias, que devidamente representadas por seus administradores, os quais suportados por seus assessores jurídicos podem ter entendimento diverso dos descritos pelas áreas técnicas da CVM e consequente, disporem de elementos que lhes permitem reconhecer o direito ao crédito e a respectiva mensuração do seu valor.
Seja qual for o caso, as áreas técnicas recomendam que a administração das companhias divulgue, em nota explicativa, de modo amplo e inequívoco, todas as premissas que subsidiaram sua decisão sobre o reconhecimento dos créditos fiscais, destacando eventuais valores reconhecidos nas demonstrações contábeis.
Tais recomendações são importantes, tanto para evitar informações enganosas aos investidores do mercado de capitais, quanto para reduzir o risco de distribuição de dividendos e ou remuneração de administradores com base em resultados que podem não se materializar.
Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS
No que diz respeito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, como é de conhecimento público, a decisão do STF acerca do tema pende do julgamento dos embargos de declaração opostos pela PGFN, cuja decisão pode vir a repercutir no valor dos créditos fiscais a depender da situação específica da ação judicial de cada companhia e de outras circunstâncias de cada caso concreto, além da possibilidade de modulação dos efeitos da decisão.
Fato é que a área técnica da CVM tem observado duas situações distintas:
1. Companhias que, no cômputo do valor do PIS e da COFINS desconsideraram o ICMS da base de cálculo e ingressaram com ações judiciais para salvaguardar os seus direitos, constituíram passivos e agora se veem diante da decisão de reverter total ou parcialmente as suas provisões; e
2. Companhias que no cômputo do valor do PIS e da COFINS consideraram o ICMS na base de cálculo (e/ou fizeram depósitos judiciais), ingressaram com ações judiciais, para salvaguardar seus direitos e, agora, se veem diante da decisão de reconhecer ou não um ativo.
As áreas técnicas da CVM reforçam novamente que o tratamento contábil a ser dispensado à matéria deve ser avaliado pelos administradores das companhias abertas e por seus auditores independentes, à luz do que prescreve o CPC 25.
Como princípio geral ativos contingentes jamais são reconhecidos nos termos do § 31 do CPC 25, sendo tão somente divulgados em nota explicativa às demonstrações contábeis, quando for provável a entrada de benefícios econômicos.
Nos termos da norma, um ativo não é contingente se a entrada de benefícios econômicos é praticamente certa.
Diante do que está sendo observado pelas áreas técnicas da CVM na atividade de supervisão efetuada sobre o tema, relevante citar uma condição necessária para o reconhecimento de qualquer ativo ou baixa de um passivo que é a mensuração confiável do valor envolvido.
Desta forma, as áreas técnicas da CVM entendem que, para fins de reconhecimento do ativou e/ou reversão do passivo, torna-se imperativo que o valor em referência seja passível de mensuração com razoável ausência de incertezas significativas com relação à definição do valor.
Um aspecto crítico para o reconhecimento ou não dos créditos fiscais ou para a reversão ou não do passivo, na visão das áreas técnicas da CVM, reside no teor das decisões judiciais transitadas em julgado.
Quando houver uma decisão transitada em julgado ou circunstâncias específicas pertinentes ao caso concreto que permitam uma definição do valor do tributo a ser mensurado de forma objetiva e confiável para fins de reversão de provisão ou de reconhecimento de ativo (por exemplo, período abrangido e forma pela qual deve ser efetuado o cálculo – ICMS destacado ou não), as áreas técnicas da CVM entendem que o ativo deve ser reconhecido ou o passivo revertido.
Por outro lado, não havendo confiabilidade no processo de mensuração, a administração não deve, na visão da áreas técnicas da CVM, reconhecer o ativo ou baixar o passivo. Além disso, informações devem ser prestadas em nota explicativa sobre o fato e detalhamento das bases que levaram à conclusão para o não reconhecimento ou a não reversão.
Para o caso das companhias que não tenham decisões transitadas em julgado e o das que não entraram ainda com ações judiciais, exceto por circunstâncias específicas pertinentes ao caso concreto que permitam uma mensuração objetiva e confiável, as áreas técnicas da CVM entendem não existir ainda elementos que possibilitem o reconhecimento do referido ativo ou baixa do respectivo passivo. De qualquer forma a administração da companhia deve fornecer informações úteis e suficientes em nota explicativa para permitir ao usuário entender a situação da companhia no evento em discussão, se relevante.
Não obstante, as áreas técnicas da CVM se deparam com tratamentos contábeis das mais variadas naturezas envolvendo o tema, tendo identificado, porém, um ponto comum em grande parte das notas explicativas analisadas, qual seja, a divulgação insuficiente das especificidades de cada companhia quanto ao teor e o status das decisões judicias, os critérios considerados na decisão de reconhecimento ou não do ativo ou baixa do passivo entre outros, que permitisse o entendimento adequado do risco tributário a que a companhia, porventura esteja exposta.
Mais uma vez, também aqui, a preocupação das áreas técnicas da CVM reside no risco de informação enganosa, com consequências danosas aos investidores do mercado de capitais brasileiro e ainda, na possibilidade de distribuição de dividendos e/ou remuneração de administradores com base em resultados que podem ou não se materializar.
Não bastassem os pontos acima descritos, novos desdobramentos têm ocorrido com relação à questão, os quais podem gerar outros reflexos contábeis:
1. A PGFN tem inscrito em dívida ativa da União uma parte daquilo que os contribuintes consideram como crédito a que fazem jus: a diferença entre o ICMS destacado na nota fiscal (considerado como crédito pelo contribuinte) e o ICMS que foi efetivamente recolhido pelo contribuinte (considerado como crédito pelo fisco);
2. A Receita Federal do Brasil vem autuando contribuintes que reconheceram os créditos fiscais, mas não recolheram o IRPJ e a CSLL sobre o ganho obtido. Por outro lado, decisões judiciais vêm dando ganho de causa aos contribuintes, determinando que o IRPJ e a CSLL fossem cobrados somente quando da homologação da compensação pelo fisco dos créditos habilitados e não quando do trânsito em julgado das decisões judiciais, conforme entendimento do fisco à luz da Solução de Divergência COSIT n º 19, de 12 de novembro de 2003 e da Solução de Consulta DISIT/SRRR10 Nº 233, de 30 de novembro de 2007. No que diz respeito às decisões judiciais o ofício faz alusão às decisões noticiadas pelo jornal Valor Econômico – notícia acessível pelo link https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/06/16/contribuinte-vence-disputa-sobre-credito-de-pis-cofins.ghtml.
Tais elementos corroboram as referidas incertezas e reforçam o entendimento das áreas técnicas de que a administração cabe avaliar criteriosamente a situação específica da sua companhia e utilizar os melhores julgamentos, com base nas normas contábeis aplicáveis, para o adequado tratamento contábil dos eventos.
Reafirmou que as demonstrações são de responsabilidade das companhias as quais, representadas por seus administradores podem ter entendimento diverso do das áreas técnicas da CVM, mas que devem, proceder a divulgação de toda e qualquer informação relevante em nota explicativa, esclarecendo a abordagem de forma clara e inequívoca, de modo que os usuários possam compreender a questão e avaliar os riscos a que a entidade está exposta.
Por fim, salientou que as áreas técnicas da CVM não estão entrando no mérto da decisão do STF quanto à inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, assim como não está colocando em xeque o direito a que fazem jus as companhias. O intuito do ofício é apenas tratar dos aspectos relacionados à mensuração confiável de créditos fiscais a serem efetivamente recuperados ou de provisões a serem revertidas diante do atual cenário de incertezas.