“Um caso de família”, baseado em um importante julgamento.
“Maria Izabel começou a trabalhar na casa de uma tradicional família no Rio de Janeiro. Após se envolver com o filho mais velho do casal acabou engravidando.
Para evitar boatos a respeito dos fatos ela foi obrigada a se afastar da família e a entregar a sua filha Laura para um casal, que a acolheu, amou e educou com toda a dedicação possível, ocultando, porém, a sua verdadeira origem por cerca de três décadas.
Ao saber toda a verdade Laura buscou o Poder Judiciário para obter o reconhecimento da maternidade e paternidade dos pais que a abandonaram.
A decisão de primeira instância reconheceu o seu direito, sob o argumento de que um registro de nascimento deve refletir a verdade dos fatos, sendo inconcebível mantê-lo na medida em que o mesmo relata fatos enganosos e mentirosos.
O Tribunal estadual por sua vez reformou a decisão afirmando que a paternidade e maternidade ssocioafetiva dos pais que acolheu e criou Laura dignamente deveria prevalecer sobre a paternidade e maternidade biológica”.
Se você fosse o juiz da causa como você julgaria? O que deve prevalecer na sua opinião? Pai e mãe é quem cria? Uma certidão de nascimento com informações falsas e enganosas deve prevalecer?
Um caso parecido com esse teve a oportunidade de ser analisado e julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. As lições deste julgamento merecem ser compartilhadas.
“Inserida no contexto da filiação socioafetiva, compreendida como uma relação jurídica de afeto marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho, encontra-se a adoção à brasileira”. Esta caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade, paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção do casal, ou apenas um dos cônjuges ou companheiro simplesmente registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessária à proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança.
Marca maior dessa espécie transversa de adoção é a falsidade ideológica de que é eivado o registro público de nascimento, pois para todos os fins, daquela situação presume-se a existência de vínculo biológico quando este inexiste.
Prepondera ainda a ausência de dados genéticos no tocante a pessoa “adota”, que se porventura for acometida de enfermidade hereditária, não poderá se socorrer no histórico de saúde de sua verdadeira família.
(…)Acresça-se à premissa anterior que não é correto impedir uma pessoa, qualquer que seja a sua história de vida, de ter esclarecida sua verdade biológica.
Ademais, o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou herdeiros.
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana estabelecido no artigo 1º inciso III da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal (…)”.
Sob tais argumentos foi conferida a recorrente o direito ao reconhecimento da sua maternidade/paternidade biológica, assim como mantida a relação dos pais sócio afetivos, ou seja, eles continuaram sendo os pais da recorrente.
Se fosse o caso de Laura, ela ficaria com duas mães e dois pais.
Nesse mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal fixou a tese, com efeito vinculante para todo o país de que a paternidade e maternidade sócio afetiva não impedem o reconhecimento do vínculo biológico, é a chamada multiparentalidade.
Ps. as fotos são ilustrativas, os nomes e localidade utilizados no início da postagem são absolutamente fictícios.