A Incompatibilidade do Cadastro de Prestadores de Serviços de Outros Municípios (CPOM) com a Constituição Federal
Na última sexta-feira o Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento do Recurso Extraordinário 1167509[1], no qual foi reconhecida a inconstitucionalidade da norma do Município de São Paulo a qual estabelece que o prestador de serviço com sede em outra cidade deve realizar o seu cadastro junto à Secretaria Municipal de Finanças Paulistas, comprovando que o seu estabelecimento realmente é situado em outra localidade, sob pena do tomador ficar obrigado a reter o ISS aos cofres públicos da capital.
O Recurso se refere a ação movida pelo Sindicato das Emprestas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo – SEPROSP em favor dos seus filiados.
Toda discussão ocorre porque a Lei Complementar 116/03 determina que, salvo as exceções por ela previstas, o imposto sobre serviços é devido na cidade em que está localizado o estabelecimento prestador e, alguns municípios como no caso São Paulo, visando evitar a sonegação fiscal mediante a falsa declaração destes de que a sua sede é situada em outra localidade, vêm implementando a obrigatoriedade do cadastro.
Na prática, o descumprimento desta exigência resulta em um duplo recolhimento de ISS, um no município em que o prestador dos serviços está situado e outro no município de São Paulo, no caso.
Essa situação leva ao embate jurídico entre contribuintes e fisco na medida em que:
- ocorre a violação ao princípio da territorialidade ao se exigir a obrigação acessória consubstanciada na realização de cadastro por prestador de serviço residente em outro município;
- a não realização da obrigação acessória exigida transforma o município de São Paulo em sujeito ativo (credor) de imposto que não lhe pertence, em flagrante violação à Lei Complementar que regula o assunto.
O fisco por sua vez alega que:
- a interpretação formal do conceito de “sede” levou vários contribuintes a simularem em seus atos constitutivos a existência de estabelecimento em cidade com uma alíquota menor de ISS;
- nos termos do artigo 13, § 2º do CTN é possível estabelecer obrigações acessórias com a finalidade de aumentar o poder de fiscalização do fisco;
- a Súmula 439 do STF permite a análise pelo fisco de livros comerciais, limitado o exame aos atos objeto da investigação;
- o cadastro não é exigível para todos os tipos de serviços e pode ser feito de forma gratuita e sem burocracia;
- o cadastro na verdade é uma coleta de informações indispensáveis à fiscalização de atividades que possam em tese, gerar tributos em seu território.
O Supremo Tribunal Federal julgou que a exigência do cadastro é matéria a ser regulada por Lei Complementar, motivo pelo qual a sua exigência por lei municipal é inconstitucional.
Nesse ponto corretíssima a decisão, na medida em que nos termos da Constituição Federal cabe à Lei Complementar dispor sobre conflitos de competência, ou seja, se a Lei Complementar vigente e aplicável à espécie estabelece que o imposto é devido ao município no qual se encontra situada a sede do prestador, não cabe a uma lei municipal deslocar para si o direito sobre o tributo ante a não realização pelo sujeito passivo estabelecido em localidade diversa, de cadastro em seus órgãos municipais.
Infelizmente a cidade de São Paulo não é a única a fazer tal exigência. Vários municípios possuem legislação semelhante.
A notícia do jornal Valor Econômico[2] informa que há mais de duzentos municípios com esta obrigatoriedade, o que, diga-se de passagem, precisa ser investigado caso a caso, dentre os mais de cinco mil e quinhentos existentes em nosso país.
Na grande maioria das vezes essas informações não estão disponíveis de forma simples, assim como não há um pronto atendimento dos setores de fiscalização municipais para informar com segurança quando o cadastro é exigido, vindo a ser necessário muitas vezes solicitar o envio da legislação por e-mail, ante a sua indisponibilidade nos sites das prefeituras.
Essas situações por óbvio aumentam em muito o conhecido “custo Brasil”, além de ser uma análise absolutamente inviável de ser feita pelos pequenos prestadores de serviços, os quais acabam sendo os mais penalizados.
Outro ponto é que a decisão do Supremo, apesar de deixar clara a posição da corte, não se aplica a outros contribuintes e outros municípios de forma automática. Assim, para afastar tal exigência necessário se faz que o contribuinte ingresse com uma ação judicial em face de cada município que exige o cadastro, o que torna efetivamente difícil combater tais exigências.
Por fim vale a reflexão: “não adianta uma legislação tributária simplificada se isso abre espaço para as mais diversas regulamentações, seja através de lei em sentido estrito, seja através de normas infralegais de cada ente tributante”.
[1] Acessível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5563078
[2] Acessível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/02/26/maioria-no-stf-julga-inconstitucionais-cadastros-de-iss.ghtml